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Roazes-corvineiros imitam sinais acústicos de outros indivíduos como forma de chamamento

O Nome dos Golfinhos

Por Teresa Firmino
25 de Agosto de 2000 - in Público.pt

Os golfinhos dirigem-se a outros através de assobios característicos desse outro golfinho. Esta forma de chamamento, como se fosse um nome, foi registada em roazes-corvineiros ao largo da Escócia - mas esta é mesma espécie que habita nos estuários do rios Sado e Mira, onde pode deleitar-se a vê-los em passeios de barco.

Na privacidade dos oceanos, longe das pessoas e dos navios, o que é que os golfinhos dizem uns aos outros? O conteúdo exacto dos seus assobios, muitos em frequências inaudíveis para o homem, será sempre um mistério, mas estes cetáceos que tanto nos fascinam pela sua elegância e inteligência poderão ser ainda mais inteligentes do que pensamos. O biólogo Vincent Janik diz hoje, na revista científica "Science", que os golfinhos selvagens aprendem e imitam os assobios característicos de outros indivíduos, talvez como uma forma de saudação, um sinal de pertença a uma comunidade ou de agressão. Quando um golfinho aprende e reproduz esses sons característicos de outro é como se chamasse pelo seu nome.

Já havia sido observado em cativeiro que os golfinhos são capazes de aprender e imitar sinais acústicos que funcionam como identificação de um determinado indivíduo. Para escutar a linguagem dos golfinhos que cruzam livremente os mares, Vincent Janik pôs aparelhos de escuta na casa de roazes-corvineiros ("Tursiops truncatus") - mais exactamente num canal ao largo da costa da Escócia, em Julho e Agosto de 1994 e 1995.

O biólogo, da Universidade de St. Andrews, na Escócia, gravou 1719 assobios usando seis hidrofones e computadores para localizar os sinais acústicos únicos e distintivos de cada um dos indivíduos, que são desenvolvidos logo nos primeiros meses de vida. Depois, o biólogo pediu a cinco leigos no assunto que ouvissem diariamente as gravações, de forma a detectarem semelhanças dos assobios lançados por golfinhos diferentes, num grupo de pelo menos 14 indivíduos que habitualmente frequentava aquele canal. Em média, andavam no canal dez roazes-corvineiros (a mesma espécie que, em Portugal, é residente nos estuários dos rios Sado e Mira).

"A hipótese a testar era a de que cada um dos dez animais tinha pelo menos um tipo de assobio característico e que também poderia copiar os assobios distintivos dos outros nove indivíduos", escreve Vincent Janik. Pensou-se que cada animal teria um repertório de dez tipos de sons, nove dos quais aprendidos. "Esta hipótese baseia-se em estudos anteriores em que se verificou que cada roaz-corvineiro desenvolveu o seu tipo de assobio distintivo e que consegue imitar um novo tipo de assobio à primeira tentativa", prossegue o biólogo.

O resultado é que, dos 1719 assobios gravados, 176 traduziam interacções entre golfinhos e 39 destes foram classificados como chamamentos, usando o "nome" do outro.

Esta forma de chamamento ocorre entre golfinhos que podem estar a 580 metros de distância e é indicativa de que um animal se está mesmo a dirigir a outro, como se chamasse pelo seu nome. Para que, no meio de uma comunidade com vários indivíduos, não haja dúvidas. "Muito provavelmente, os roazes-corvineiros usam os assobios que aprenderam para se dirigirem a outros. Mas pode ser tanto agressiva como amigável. Também pode ser uma forma de assinalar a pertença a um grupo a terceiros.

"Eles usam sempre o mesmo chamamento. Algumas pessoas chamam a isto um nome. Evito usar o termo linguagem, mas é certamente um sistema de comunicação complexo", disse à agência Reuteurs Janik.

"Embora estes chamamentos vocais sejam comuns nas aves, os roazes-corvineiros são, além dos seres humanos, os únicos mamíferos que interagem através de sinais aprendidos. Tem-se posto a hipótese de que este foi um passo importante na evolução da linguagem humana. Os resultados apresentados aqui mostram que esse passo pode atingir-se em ambientes muito diferentes."

Tal como um grupo humano, uma comunidade de golfinhos exige uma comunicação sofisticada, porque os mamíferos formam laços fortes e duradouros, escreve Peter Tyack, num comentário que acompanha o artigo científico. De facto, os golfinhos são muito comunicativos e vivem num universo essencialmente sonoro. Não só para comunicarem entre eles, mas também para se orientarem e detectarem obstáculos e presas, através de uma espécie de sonar. Esses sons, alguns de frequências tão elevadas que nenhum ser humano consegue ouvi-lo, atravessam as águas à procura de cardumes - no caso dos roazes-corvineiros do Sado, esses cardumes são de tainhas e chocos.

A colónia residente do Sado tem sido estudada, aliás, por investigadores do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, em Lisboa. Esses estudos têm permitido perceber o comportamento dos golfinhos no seu habitat natural, a sua organização social ou os problemas que os afectam. Por exemplo, sabe-se que apresentam um comportamento tímido e que a comunidade tem diminuído muito devido à poluição, que afecta quer os golfinhos mais novos, quer as espécies que estão na base da sua alimentação.

Teresa Firmino